Ainda hoje, a palavra de um médico soa praticamente como um dogma para a maioria dos pacientes, que acreditam piamente que os remédios que esse profissional lhes prescreve e as clínicas de diagnósticos lhes recomendam são decorrência da seriedade com que fez seu juramento de Hipócrates. Mas como os pacientes reagiriam se soubessem que, por estratégia de marketing, um grande número de doutores recebe mimos das indústrias farmacêuticas que produzem esses remédios e das clínicas de diagnóstico que indicam? Algumas dessas receitas mercadológicas fariam corar de vergonha o célebre médico grego cujos colegas de profissão tanto revereciam.
A preocupação com o assédio dos laboratórios farmacêuticos sobre os médicos é tanta que o Conselho Federal de Medicina (CFM) resolveu estabelecer meios para regulamentar a prática, limitando essa atuação. Em parceria com a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), o CFM já trabalha na criação de um protocolo com regras claras para esse tipo de relação no Brasil, a exemplo de documentos que já foram criados em países como Portugal e Espanha.
De acordo com o vice-presidente do CFM, Roberto D'Ávila, não adianta fazer um código de ética para proibir as ações, mas sim normatizar o que deve ser feito. "Estamos falando de restrições, como impor um limite ao valor do brinde oferecido ao médico e de que forma ele pode exercer menor influência na hora de receitar um medicamento, e não uma marca", explica. Outra ação visa obrigar os palestrantes de um congresso a deixar claro, desde o início da apresentação, qual a empresa que o contratou para que o público saiba quem ele representa. "Eles contratam médicos, de boas universidades, e pagam uma quantia razoável para citar o produto deles", afirma.
Escrito em 1988, o texto passará por atualizações neste ano e receberá artigos referentes à oferta de benefícios à classe médica por parte da indústria farmacêutica, o que inclui outra prática comum de convidar médicos para os congressos e pagar passagem, estadia e inscrição. "O valor para cada participação em um congresso vai desde os R$ 500 a mais de R$ 1 mil", diz D'Ávila. Segundo o vice-presidente do CFM, as diversas especialidades médicas têm seus congressos anuais e as entidades querem trazer bons profissionais. Mas só o valor da inscrição não é suficiente para bancar os custos. Então, a indústria farmacêutica é convidada a patrocinar. Além do patrocínio, ainda vêm na esteira outros brindes que vão desde canetas e assinaturas de revista, comuns em diversas profissões, até ar-condicionado, computadores e equipamentos para o consultórios, segundo D'Ávila: "O código visa estabelecer regras para essas práticas tradicionais no meio médico, controlando a influência da indústria, que começa também a chegar em outras pontas da cadeia, como as farmácias e universidades", afirma.
A abordagem é uma forma de tornar um produto conhecido e ganhar espaço entre a concorrência, em um meio em que é proibida a propaganda ao consumidor final. "As coisas não são tão às claras nem escancaradas. Mas a indústria farmacêutica é muito poderosa e usa técnicas de marketing com muita sutileza, induzindo à compra e à escolha de seu produto", analisa D'Ávila. "O que ela investe em marketing equivale a cerca de 30% do valor total do remédio. Quando o consumidor compra um medicamento, 30% do que está pagando é só propaganda."
À beira do balcão
Outra ferramenta de marketing que preocupa o vice-presidente do CFM são os levantamentos feitos pela indústria junto às farmácias para saber quais remédios estão sendo indicados pelos médicos, utilizando para isso o registro do profissional presente nas receitas apresentadas pelos pacientes na hora da compra.
Para o presidente-executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Barreto, entretanto, se há manipulação por parte da indústria, isso ainda não chegou à rede varejista. A farmácia tem o poder de indicar ao cliente qualquer marca para o princípio ativo receitado pelo médico. "Na rede de farmácias não existe isso. Mantemos uma relação comercial com os fornecedores que é natural", diz Barreto, referindo-se às pesquisas de consumo, seja por meio das vendas, seja das encomendas que a loja faz.
"O fornecedor tem mapeados os pedidos, ele sabe se seu produto vende mais ou não. E, conforme o volume encomendado, isso retorna em benefícios, em descontos, o que é repassado para o consumidor", explica. "O fabricante de geladeira, por exemplo, também faz isso, e não é considerado assédio. Por que na indústria farmacêutica é? Por se tratar de medicamento ?"
"O fornecedor tem mapeados os pedidos, ele sabe se seu produto vende mais ou não. E, conforme o volume encomendado, isso retorna em benefícios, em descontos, o que é repassado para o consumidor", explica. "O fabricante de geladeira, por exemplo, também faz isso, e não é considerado assédio. Por que na indústria farmacêutica é? Por se tratar de medicamento ?"
Alguns médicos ouvidos pela Gazeta Mercantil concordam com Barreto sobre a normalidade da relação dos profissionais com a indústria farmacêutica. "Vivemos num mundo capitalista e seria hipócrita acreditar que eles não possam divulgar os produtos que desenvolvem", diz um ginecologista com mais de 30 anos de profissão que preferiu não se identificar. Para ele, a relação com os representantes dos laboratórios sempre foi a mais clara. "Um profissional de respeito não se vende por uma canetinha ou outro presentinho", diz.
Fonte: http://www.saudebusinessweb.com.br/noticias/index.asp?cod=50683
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